Anotações
Sobre um Escândalo
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Segunda Edição do Livro, com a Capa alusória ao filme. |
“Eu
a observei com o mesmo interesse de quem observa os astros: profunda deferência
e interesse morno, a observava como a uma cena de teatro, desumanizando-a; a
verdade é que eu a odiava, seu modo ácido de observar as pessoas, seu jeito
mesquinho, arraigado em tradição e distância. Odiava sua solidão, sua falta de
empatia, seu sagaz modo de desvelar a vida como se esta estivesse pronta a
ficar nua diante de seus olhos jocosos. Detestava até mesmo seu amor por sua
gata. No entanto, antes de dizê-lo em voz alta, eu
não havia entendido ainda o porquê de todo meu interesse em observá-la.
Entendi, de pronto, meu ódio por ela: sua presença era uma lembrança constante de quem eu viria a me tornar quando chegasse aos sessenta; ela era meu retrato de Dorian Gray, mas eu não continuava jovem a medida que ela envelhecia, não, ela era quem eu seria. Eu a odiava porque sabia que, no fundo, eu também odiaria a mim.”
Entendi, de pronto, meu ódio por ela: sua presença era uma lembrança constante de quem eu viria a me tornar quando chegasse aos sessenta; ela era meu retrato de Dorian Gray, mas eu não continuava jovem a medida que ela envelhecia, não, ela era quem eu seria. Eu a odiava porque sabia que, no fundo, eu também odiaria a mim.”
(Thiago Félix, Meus sentimentos
sobre Bárbara)
Anotações sobre um Escândalo é um livro
de 2003, escrito por Zoe Heller; e tendo sido adaptado para o cinema em 2006
num filme de nome Notas Sobre um Escândalo, que apesar de não ser de todo fiel
ao livro, é uma excelente obra.
O livro é narrado por Bárbara Covett,
uma professora de sessenta anos, dona de uma vida solitária, não tendo sido
casada, sem amigos, distante de sua única parente viva, sua irmã; cuja única
presença constante na vida é a de sua gata Portia já idosa. Ela não é, contudo,
a protagonista desde livro.
Sheba Hart, a protagonista, ingressa na
St. George como a nova professora de cerâmica, onde Covett é professora há duas
décadas, sendo dotada de grande simpatia e beleza, a professora de 40 anos logo
chama a atenção de todos os seus colegas — incluindo-se aqui nossa narradora — e
para sua desgraçada, de um dos alunos, Connolly, de 15 anos, com quem já nas
primeiras páginas sabemos que ela manterá um caso.
A
idéia é fazer Sheba falar, diz
a narradora, colocando-se aqui como alguém a margem de toda história; uma espectadora
e confidente de Sheba, por quem ela nutre uma estranha obsessão decorrente de
seu intenso medo de permanecer sozinha; a solidão é a marca recorrente desta
personagem — que é de longe minha favorita por sua densidade — e até mesmo seu caráter
de guardiã dos segredos da protagonista é posteriormente citado como uma das
provas de sua desimportância, em suas palavras, de sua inofensibilidade.
“A vida inteira eu fui
o tipo de pessoa em quem as pessoas confiam. E a vida inteira senti-me
envaidecida por isso —grata pela sensação de importância que se sente quando
recebemos uma informação privilegiada. Nos últimos anos, entretanto, eu percebi
que esta gratificação está dando lugar a uma certa indignação. Porque, eu me
vejo mentalmente perguntando aos meus confidentes, você está contando isso para
mim? É óbvio que eu sei porque. Eles me consideram inofensiva. [...] me fazem suas confidencias com o mesmo espírito
que fariam a um castrado ou a um padre — com a idéia de que eu estou tão fora
do jogo, tão fora das coisas do mundo, que não ofereço nenhuma ameaça. O número
de segredos que eu ouço está na proporção inversa do número de segredos que as
pessoas acham que eu possua. E esta é a verdadeira causa do meu aborrecimento.
O fato de me contarem segredos não é — nem nunca foi — um sinal de que eu me
encaixo ou importo. É justamente o contrário: a confirmação de minha irrelevância.”
(P.
247-278)
Em
parte devido a esta sua solidão e ao seu temperamento reservado, Bárbara é uma
mulher extremamente amargurada, sempre disposta a analisar os outros, incluindo
aqueles próximos de Sheba, com uma visão ácida — diversas vezes até mesmo
cruel. — a jovem professora, no entanto, não tem o mesmo tratamento, apesar de
ser, dentre todos os personagens principais, aquele que termina por oferecer o
maior número de defeitos de caráter.
Voltando
ao ponto central do livro, ao menos em seu inicio, o caso de Sheba com Connolly
não acontece, como poderia se pensar, pela ausência de seu marido, ou mesmo por
uma infelicidade feminina, não; o que esta jovem professora busca num garoto de
15 anos é sua jovialidade, aquele brilho de espírito, aquela franqueza que seu
marido, um acadêmico tão velho quanto Bárbara, já não possui, ou jamais
possuiu; a verdade é que a protagonista casou-se jovem, com um homem que se
assemelhava ao seu pai, um economista muito famoso, tendo sito grata por ser “cuidada”
durante tanto tempo por ele; namorar Connolly desperta seu caráter lascivo, mas
também é a prova de que Sheba, mesmo em sua meia idade, não amadureceu.
Idade
tem um peso constante nesta obra; assim como a questão de gênero, o diferente
tratamento que damos a homens e mulheres. Enquanto o marido de Sheba, Richard,
aos sessenta é um homem em pleno esplendor de sua carreira acadêmica, Bárbara,
de mesma idade, está para além do declínio, completamente ultrapassada; um
outro ponto, debatido abertamente no texto, é a diferença do tratamento que
damos a ambos os gêneros como ofensores sexuais: muitos dizem, dirá Bárbara,
que o garoto teve sorte de ter uma professorinha assim; não veriam com mesmos
olhos se a situação fosse inversa, se o caso fosse de um homem de 40 anos com
uma garota de 15.
A
autora não exprime vantagem em ser mulher neste ponto, deixo claro. Segundo a
opinião da narradora, tal fato deve-se a posição da mulher como vista como
inofensiva, como subalterna; o comportamento monstruoso é sempre esperado de
homens, mas quando quem faz tal comportamento é uma mulher, então a coisa foge
tanto dos padrões aos quais estamos acostumados que costumamos dar menos peso
ao fato de que a mulher seduziu um menor.
A
leitura do livro é bastante fácil, não sendo, entretanto, um livro simplista,
ao contrário: é uma obra bastante densa que põe em cheque muitos de nossos
valores sociais e a forma como encaramos a vida; também o modo como lidamos com
nossos desejos e emoções, principalmente com nossa solidão. É um livro que
indico a todos os amantes de drama e de obras que trazem uma profunda reflexão
sobre quem somos e nosso papel dentro da sociedade.
(Filme) Notas Sobre Um Escândalo:
Lançado
em 2006, estrelado por Judi Dench (Skyfall), como Bárbara Covett e com Cate Blanchett (a Galadriel do Senhor dos Aneis),
como Sheba Hart; sendo dirigido por Richard Eyre, com roteiro assinado por
Patrick Marber.
A
história do filme é muito similar a do livro, contudo, peca ao fazer de Bárbara
uma vilã e por evidenciar uma homossexualidade que é, no livro, apenas suposta
e que nem é um de seus pontos centrais. Também faz algumas alterações na
história de forma a que possamos nos ligar mais a Sheba e escarnecer de Bárbara,
o que não foram meus sentimentos para com o livro.
Entretanto,
a adaptação é fantástica, o filme é excelente; sendo um dos melhores filmes de
drama que já pude assistir; e apesar da história não ser totalmente idêntica a
do livro, ele consegue despertar alguns dos mesmos questionamentos que faz a
obra literária.
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